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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Primeira Noite


A primeira noite do Festival Dança Três iniciou com o espetáculo "Soma 11", da Cia. Dançurbana. Composto por trechos de espetáculos apresentados ao longo de seus onze anos de trajetória, deu a ver como a maneira de compor da Cia. evoluiu e como apresenta algumas recorrências, como o recurso expressivo das pausas. 



Por vezes, as pausas aconteciam simultaneamente à interrupção da música, por vezes promovia uma contraposição: pausava enquanto a música continuava a pulsar. De maneira geral, a ambientação do espetáculo provoca entusiasmo, vigor, tanto nos gestos como nos deslocamentos pelo espaço, que são afirmativos: muitas caminhadas em linha reta, de um lado ao outro do palco, que remetiam a ruas cheias de gente, devido ao grande número de dançarinos em cena. A comunicação se deu diretamente com a plateia, os movimentos quase não eram gerados nas relações entre os dançarinos. 



Ao longo da Mostra Aberta, a Escola Jimmy Eliot, de Três Lagoas, apresentou a coreografia "Chaga", acompanhada da música "Você não me ensinou a te esquecer", interpretada por Caetano Veloso. O Ballet Nova Geração apresentou "Sinestesia", cuja trilha sonora foi a música "Elephant gun", da banda mexicano-estadunidense Beirut. 



Nessas duas coreografias, os passos, os figurinos, o uso do espaço acompanhavam a música no que tange aos pulsos e melodia. No entanto, elas não dialogavam com o imaginário que tais melodias evocam. No caso de “Elephant Gun”, essa música já está acompanhada pelas imagens emocionantes da microssérie Capitu (dirigida por Luiz Fernando Carvalho, exibida na rede Globo, em 2008) e pelas imagens do videoclipe. 


“Você não me ensinou a te esquecer”, evoca imagens do filme "Lisbela e o prisioneiro" (dirigido por Guel Arraes, lançado em 2003). 

 

Tais experimentos cênicos me levaram aos seguintes questionamentos: como "encostar" em uma música, para desse contato nascerem os movimentos e a coreografia? Que sentidos ela provoca (cheiros, cores, texturas)? 

Sugiro que, ao utilizar músicas que acompanham imagens reproduzidas em grande escala, como filmes, minisséries e videoclipes, que  levem em consideração todo esse imaginário, que dialoguem com essas imagens considerando-as como "amigas" para ampliar as possibilidades de criar e de comunicar, já que se trata de um repertório que muita gente compartilha. Não quero incitar a desestabilização da técnica do balé quando proponho um diálogo com o contexto das músicas. A sugestão é a de ir a favor delas: da técnica e das músicas e de brincar com tudo isso. Divirtam-se!

Essas coreografias me fizeram refletir também sobre uma cisão recorrente entre técnica e dramaturgia, entre treinamento técnico e criação, assunto que foi discutido ao longo das rodas de conversa, durante o Festival (essa discussão será abordada com mais profundidade em outro post).



Outra coreografia da Mostra Aberta que baseou a criação de movimentos em música cantada foi "La freguesia", do Conexão Urbana, que baseou a dramaturgia na letra da música "Freguês da meia-noite", do Criolo. Foi o único experimento cênico da noite que apresentou uma narrativa, com personagens, que agiam de acordo com a letra da música, que funcionava como roteiro. Interessante a ousadia. Sugiro estudar maneiras da encenação dos personagens estarem sempre à favor das técnicas de danças urbanas.



O Studio Mayara Martins apresentou "Polaridades", que desde o título, a criação como um todo foi coerente e se trata, de fato, de um “experimento” cênico, devido ao estudo de possibilidades de criação por meio da percepção da música. A principal questão desenvolvida na coreografia foram desenhos no espaço. As estudantes se dividiam em duplas, trios, conjuntos que se contrapunham com duplas, entre um extremo e outro do palco: criaram polaridades. Outra ação desenvolvida pelas estudantes foi a alternância de níveis: baixo, médio e alto. A coerência de composição pôde ser percebida, também, na cor dos figurinos, que dialogou com a melodia da música. Sugiro que o Studio fique atento a mostras, para estudantes - não recomendo as mostras competitivas, porque a competição reforça o entendimento de apenas um "padrão de qualidade", que despotencializa o voltar a atenção ao ato comunicativo da dança, porque dá ênfase para o caráter esportivo e virtuoso. 



O Ateliê da Dança se singularizou pelo uso de gradações diferentes da música. Enquanto um grupo se movia de acordo com um compasso, o outro grupo se movia de acordo com outra instância do compasso. O desempenho técnico dos dançarinos e a capacidade de projetar os corpos no espaço foi outro ponto que se destacou.



Os bailarinos convidados Denise Rosa, Caio Baratelli e Daniel Amaral apresentaram trechos dos balés de repertório “O Corsário” e “Dom Quixote”, ambos criados no século XIX, por Marius Petipá. 


O Grupo Corphomen, apresentou “Chamas de Paris”, coreografado pelo russo Vasili Vainonen (1901-1964), e adaptado por Margareth Viduani. 



A conversa que tivemos em roda, na manhã do primeiro dia de Festival, contribui para acurar o olhar sobre essas coreografias e, também, sobre suas adaptações. Percebemos que conhecer a história, o contexto onde foi criado, favorece o diálogo com a tradição que dá sentido a cada gesto e a cada ação para além de apenas um divertimento ou um exercício técnico (uma aplicação do que é treinado em sala de aula). É essa minha sugestão aos que realizam adaptações, de se atentarem à história, aos sentidos desses movimentos, e quais sentidos dar a eles nesse novo contexto.


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