A primeira noite do Festival Dança Três
iniciou com o espetáculo "Soma 11", da Cia. Dançurbana. Composto por
trechos de espetáculos apresentados ao longo de seus onze anos de trajetória,
deu a ver como a maneira de compor da Cia. evoluiu e como apresenta algumas
recorrências, como o recurso expressivo das pausas.
Por vezes, as pausas aconteciam
simultaneamente à interrupção da música, por vezes promovia uma contraposição:
pausava enquanto a música continuava a pulsar. De maneira geral, a ambientação
do espetáculo provoca entusiasmo, vigor, tanto nos gestos como nos
deslocamentos pelo espaço, que são afirmativos: muitas caminhadas em linha
reta, de um lado ao outro do palco, que remetiam a ruas cheias de gente, devido
ao grande número de dançarinos em cena. A comunicação se deu diretamente com a
plateia, os movimentos quase não eram gerados nas relações entre os
dançarinos.
Ao longo da Mostra Aberta, a Escola Jimmy
Eliot, de Três Lagoas, apresentou a coreografia "Chaga", acompanhada
da música "Você não me ensinou a te esquecer", interpretada por
Caetano Veloso. O Ballet Nova Geração apresentou "Sinestesia", cuja
trilha sonora foi a música "Elephant gun", da banda
mexicano-estadunidense Beirut.
Nessas duas coreografias, os passos, os
figurinos, o uso do espaço acompanhavam a música no que tange aos pulsos e
melodia. No entanto, elas não dialogavam com o imaginário que tais melodias
evocam. No caso de “Elephant Gun”, essa música já está acompanhada pelas
imagens emocionantes da microssérie Capitu (dirigida por Luiz Fernando
Carvalho, exibida na rede Globo, em 2008) e pelas imagens do videoclipe.
“Você não me ensinou a te esquecer”, evoca imagens do filme "Lisbela e o
prisioneiro" (dirigido por Guel Arraes, lançado em 2003).
Tais experimentos cênicos me levaram aos
seguintes questionamentos: como "encostar" em uma música, para desse
contato nascerem os movimentos e a coreografia? Que sentidos ela provoca
(cheiros, cores, texturas)?
Sugiro que, ao utilizar músicas que
acompanham imagens reproduzidas em grande escala, como filmes, minisséries e
videoclipes, que levem em consideração todo esse imaginário, que
dialoguem com essas imagens considerando-as como "amigas" para
ampliar as possibilidades de criar e de comunicar, já que se trata de um repertório
que muita gente compartilha. Não quero incitar a desestabilização da técnica do
balé quando proponho um diálogo com o contexto das músicas. A sugestão é a de
ir a favor delas: da técnica e das músicas e de brincar com tudo isso. Divirtam-se!
Outra coreografia da Mostra Aberta que baseou
a criação de movimentos em música cantada foi "La freguesia", do Conexão
Urbana, que baseou a dramaturgia na letra da música "Freguês da
meia-noite", do Criolo. Foi o único experimento cênico da noite que
apresentou uma narrativa, com personagens, que agiam de acordo com a letra da
música, que funcionava como roteiro. Interessante a ousadia. Sugiro estudar maneiras da encenação dos personagens estarem sempre à favor das técnicas de danças urbanas.
O Studio Mayara Martins apresentou
"Polaridades", que desde o título, a criação como um todo foi
coerente e se trata, de fato, de um “experimento” cênico, devido ao estudo de
possibilidades de criação por meio da percepção da música. A principal questão
desenvolvida na coreografia foram desenhos no espaço. As estudantes se dividiam
em duplas, trios, conjuntos que se contrapunham com duplas, entre um extremo e
outro do palco: criaram polaridades. Outra ação desenvolvida pelas estudantes
foi a alternância de níveis: baixo, médio e alto. A coerência de composição
pôde ser percebida, também, na cor dos figurinos, que dialogou com a melodia da
música. Sugiro que o Studio fique atento a mostras, para estudantes - não
recomendo as mostras competitivas, porque a competição reforça o entendimento
de apenas um "padrão de qualidade", que despotencializa o voltar a
atenção ao ato comunicativo da dança, porque dá ênfase para o caráter esportivo
e virtuoso.
O Ateliê da Dança se singularizou pelo uso de
gradações diferentes da música. Enquanto um grupo se movia de acordo com um
compasso, o outro grupo se movia de acordo com outra instância do compasso. O
desempenho técnico dos dançarinos e a capacidade de projetar os corpos no espaço foi outro ponto que se destacou.
Os bailarinos convidados Denise Rosa, Caio
Baratelli e Daniel Amaral apresentaram trechos dos balés de repertório “O
Corsário” e “Dom Quixote”, ambos criados no século XIX, por Marius
Petipá.
O Grupo Corphomen, apresentou “Chamas de Paris”, coreografado pelo
russo Vasili Vainonen (1901-1964), e adaptado por Margareth Viduani.
A
conversa que tivemos em roda, na manhã do primeiro dia de Festival, contribui
para acurar o olhar sobre essas coreografias e, também, sobre suas adaptações.
Percebemos que conhecer a história, o contexto onde foi criado, favorece o
diálogo com a tradição que dá sentido a cada gesto e a cada ação para além de
apenas um divertimento ou um exercício técnico (uma aplicação do que é treinado
em sala de aula). É essa minha sugestão aos que realizam adaptações, de se
atentarem à história, aos sentidos desses movimentos, e quais sentidos dar a
eles nesse novo contexto.
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