segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Festival Dança Três: Aproximando Fronteiras e Propondo Múltiplos Modos de Ver, Pensar e Fazer a Dança

Entre os dias 27 e 29 de outubro de 2017 Três Lagoas abrigou o Festival de Dança 3. Realizado pela Arado Cultural, com a direção e curadoria de Marcos Mattos e Roberta Siqueira, em sua terceira edição o Festival que ocupa as ruas, palcos e praças da cidade sul mato-grossense celebra a alegria de dançar. Desde a equipe que organiza o evento, passando pelos bailarinos, amadores a profissionais, assim como os artistas convidados, todos andavam pelas ruas da pequena cidade do Centro Oeste brasileiro com um sorriso nos olhos.

Apoiado conceitualmente no tripé: fronteira, formação e o fazer artístico, o Festival busca “ultrapassar fronteiras, aproximar as companhias de dança de MS e de estados fronteiriços.” Mas muito além de extinguir fronteiras geográficas diminuindo a distância entre grupos amadores e profissionais, o Festival tem o mérito de reunir artistas das mais diversas linguagens de dança, promovendo uma troca intensa entre seus participantes, borrando também as fronteiras entre as linguagens da dança, que de fato são muitas.

Outro mérito importante a ser reforçado está relacionado com a própria escolha da cidade que recebe o evento. Tal escolha não é casual, pois além da estratégia geográfica de fomentar o diálogo entre os estados vizinhos, esta ação implica em uma política essencial de descentralização da dança em nosso país. 

No que diz respeito ao primeiro eixo proposto pela organização do festival, ele me pareceu amplamente contemplado. Além dos professores e estudantes de dança de Três Lagoas, que, diga-se de passagem, participaram em peso do evento, a cidade recebeu grupos e companhias de inúmeras cidades do estado como Campo Grande, Aquidauana, Dourados, Ponta Porã, Nova Andradina, Corumbá, Paranaíba, assim como grupos de Araçatuba, Andradina e São Paulo capital. Os estudantes e artistas que se reuniram nesses três dias investigam a dança de maneiras muito diferentes, do balé clássico à dança de rua, passando pela dança de salão a diferentes danças folclóricas, o festival buscou dar espaço para as variadas possibilidades de dança sem privilegiar uma ou outra linguagem. 

Acomodando os participantes em um alojamento confortável e os convidados em um hotel bastante agradável, já no segundo dia da Mostra as tais fronteiras geográficas haviam sido completamente apagadas e um grande grupo dançava e conversava junto na animada confraternização organizada pela equipe. 

Em relação ao segundo eixo, o da formação, novamente é perceptível o olhar atento da curadoria que tratou de oferecer oficinas de balé clássico, jazz, dança moderna, street dance e dança de salão. Aqui novamente as fronteiras são evidentes, e ainda que nesse ponto exista uma certa dificuldade de atravessamentos entre as linguagens, o fato de buscar trazer o maior e mais variado numero de oficinas reforça o caráter formativo desse evento. Embora as salas de aula não fossem exatamente apropriadas para as práticas oferecidas (não é fácil descentralizar a dança não!), todas as sessões estavam lotadas. Inclusive a roda de conversas que tive a oportunidade de conduzir no último dia. Foi justamente em tal conversa que pude observar mais nitidamente o desejo e a curiosidade desses jovens e futuros artistas da dança que acreditam e insistem em suas escolhas, apesar de todas as dificuldades que existem para fazer e sobreviver de dança em nosso país.

Finalmente o terceiro eixo proposto, que prevê uma dupla mostra de dança, aberta e profissional, trouxe para MS trabalhos de cinco grupos de dança profissionais atuantes no país. Foram eles: Orobobo, do Projeto Mov_ola (SP), a Cia Brasileira de Danças Clássicas (SP) com alguns excertos de repertórios do balé clássico universal além de três companhias de Campo Grande, a Cia do Mato com o espetáculo Tempos Idos; a Cia Dança Urbana com Poracê e o Grupo Funk-se com a obra Deslimites. Embora fosse perceptível  uma oscilação no que diz respeito aos estágios de maturidade artística desses grupos, esta iniciativa foi extremamente importante, justamente para viabilizar o desenvolvimento artístico, tanto dos grupos quanto dos estudantes em formação. 

No que diz respeito à Mostra Aberta ela foi igualmente importante, uma vez que proporcionou uma situação de exposição e de troca. Cabe, no entanto, observar que alguns critérios podem ser revistos para a próxima edição do evento, como a adequação na relação entre as danças escolhidas e as crianças que delas participam. Em vários casos, percebeu-se uma inadequação seja no que diz respeito ao conteúdo quanto à forma escolhida. Havia, por exemplo, a exploração de uma expressividade adulta feitas por crianças. Não se trata nesse caso de moralismo ou censura, mas de uma percepção que envolve uma clareza necessária das etapas de formação e maturidade dos estudantes.

Foi emocionante ver uma cidade rural, do centro-oeste brasileiro, respirando, refletindo e celebrando a dança durante três dias. Fica o desejo de vida longa ao Festival Dança Três e a esperança de ver ações como essa multiplicando-se por todas as regiões de nosso país.   


Gisela Dória
Bailarina, coreógrafa e jornalista

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