Começamos a conversa
do domingo, dia 3, analisando a coreografia “Forrobodó”, do Grupo Bailah.
Interessante como
o grupo utilizou do “jogo” e da “brincadeira” para levar ao palco a dança de
salão, dança em que importa mais o prazer espiralado do jogo do que um significado
para cada passo. Por conta desses elementos levados para a cena, a coreografia
criou um contexto para sua dança com variações de desenhos e de fluxo que potencializam
a comunicação com a plateia. Sugiro ao Grupo Bailah que aperfeiçoe a
assimilação das técnicas de dança de salão que lhe interessam, para que esteja
presente no corpo dos dançarinos desde em corridas, brincadeiras, encenações
até nos movimentos em conjunto.
"Forrobodó" do Grupo Baila. Foto: Aurélio Vinícius.
Logo em seguida, observamos comparativamente duas coreografias: “Roda de salsa”, do Grupo Bailah, e “Yoake”, do Grupo Seishun. Mayara Martins, diretora da academia de mesmo nome, sediada em Aquidauana, enfatizou, ao longo da conversa, o quanto a coreografia lhe chamou atenção e como não conseguia colocar em palavras os motivos de seu entusiasmo. Expressou-se em gestos: “começou assim”, disse pressionando uma mão contra a outra, “e finalizou assim”, disse abrindo os braços.
Houve um crescente
de intensidade em “Yoake”, que significa “alvorada”, em japonês. Como a imagem da
palavra sugere, a coreografia foi crescendo gradativamente de intensidade,
desde a música, à quantidade de dançarinos em cena, de elementos cênicos –
bandeiras, leques, lenços coloridos –, troca de figurinos, de saltos, e de
gritos que intensificavam a pulsação da música. Além disso, a composição coreográfica
foi enriquecida ao apresentar conjuntos heterogêneos, em que parte dos
dançarinos pontuava pausas para baixo, enquanto outros pontuavam para cima.
"Yoake", do Grupo Seishun. Foto: Aurélio Vinícius.
Diferente de
“Yoake”, “Roda de salsa” apresentou fluxo contínuo em sua composição. Começou e
terminou com o mesmo desenho coreográfico – uma roda no centro do palco – e a
cada repetição dos movimentos dos dançarinos era acrescentado um novo passo.
Marcelo Victor da Rosa, diretor do Grupo Bailah, explicou que essa é uma dança
tradicional, de domínio público, por isso não pôde ser alterada. Por esse
motivo, acredito que poderiam ser estudadas maneiras de se diferentes de se
dispor espacialmente essa dança já codificada: se fossem dispostas no palco
duas rodas movendo-se simultaneamente, por exemplo, ou se uma estivesse alguns
minutos mais avançada do que a outra, já seria criada uma composição heterogênea,
que manteria a atenção do público por mais tempo.
O gesto antes da dança, a dança antes do gesto
Diversos
participantes da conversa expuseram suas observações sobre o espetáculo “Versos
da última estação”, apresentado por Vanessa Macedo, na abertura da noite de
sábado.
Chamou-lhes a
atenção o fato de Vanessa iniciar sua dança de costas para a plateia, sentada,
sem se mover. O que movia era uma luz à sua frente e de frente para a plateia,
que acendia e apagava. A outros, chamou a atenção o fato de em seus movimentos
haver uma resistência: eram gerados a partir da pressão contra o chão, por
exemplo.
A dança da Vanessa
não pressupõe um “gesto” antes de ela existir. Como a própria artista explicou,
logo depois de sua apresentação, durante bate-papo com a plateia, o espetáculo nasceu
de inquietações suas que se tornaram movimentos ao longo da criação e que,
apesar de não serem “passos”, se repetem a cada apresentação, pois foram “coreografados”.
Já a dança
apresentada pelo Grupo Maktub, por exemplo, o solo da princesa Aurora, trecho
do espetáculo “A bela adormecida”, coreografada por Marius Petipa (1818-1910),
composta por Tchaikovski (1840-1893), pressupõe gestos antes de ser encenada. Tornou-se
repertório da dança disseminado em praticamente todos os países do mundo,
portanto, antes do Grupo Maktub estrear, o solo já existia, os gestos já
existiam e os passos organizados pela técnica do balé também. Dessa maneira, a
questão coreográfica do Grupo Maktub torna-se distinta da de Vanessa Macedo,
por exemplo. Uma das questões são os processos de assimilação desses gestos e
dessa técnica para o contexto daquele corpo presente.
"Aurora", apresentada pelo Grupo Maktub. Foto: Aurélio Vinícius.
Bailarino e artista: a mesma coisa ou coisas diferentes?
Ao longo da
conversa uma dualidade emergiu: bailarino e artista foram consideradas
instâncias separadas. Por quê?
Foi atribuído ao
artista a ação de criar, de ter certo domínio sobre a obra. Ao bailarino, foi
atribuído o papel de executar os comandos do criador. Nessa conversa toda,
surgiu uma metáfora importante de ser analisada: a do corpo como folha de papel
em branco.
Quando se trata de
corpo não é possível utilizar a metáfora do papel em branco, da tábula rasa ou
da madeira em estado bruto que será talhada. Porque antes de receber qualquer
comando, o corpo já é um monte de coisa, um sistema complexo de diversas
informações, umas mais estabilizadas que outras, que implicam tanto no modo de
conectar ideias verbalmente, como na maneira de sentar, de levantar, de abrir
os braços, de posicionar a coluna cervical. Tais afirmações estão baseadas em
uma teoria chamada Corpomídia (2005), desenvolvida pelas pesquisadoras Helena
Katz e Christine Greiner, que estudam corpo, dança e comunicação há mais de 20
anos.
Além disso, pela
etimologia da palavra “intérprete”, que descende do romano interpres, que significa tradutor (1989), dá pistas para se
compreender que em vez de passivo, o intérprete é ativo ao traduzir em seu
corpo os comandos de um coreógrafo e diretor.
Análises breves
A coreografia “Brilhar”,
da academia Brício Dance, tinha como elemento compositivo o acompanhamento da
música pelos movimentos. Foram realizados desenhos com linhas retas, mantendo a
frontalidade com a plateia. A coreografia “Um segredo”, da academia Mayara
Martins, lançou mão de sincronias, dessincronias e canons.
"Um segredo", da academia Mayara Martins. Foto: Aurélio Vinícius.
O Ballet Isadora
Duncan apresentou “Celebração à vida”, cujos movimentos eram gerados de acordo
com a pulsação da música. Havia recursos como canons e o espaço era preenchido
em linhas retas.
O Grupo Expressão
de Rua apresentou “D3” cuja composição criava espaços e tempos e desfazia-os
rapidamente. “Big bang”, do Grupo Simbiose, criou uma dança de desfrute, que
seguia a pulsação da música.
Referências de pesquisa:
GREINER, C. e KATZ, H. 2005 “Por
uma teoria do Corpomídia”, in GREINER, C. O
corpo, São Paulo, Annablume, pp. 125-133.
KATZ, H. 1989 “O claro enigma
da tradução”, in HOGHE, R. e WEISS, U. (org.), Bandoneon: em que o tango pode ser bom para tudo?, São Paulo, Attar, pp. 9-10.
Nenhum comentário:
Postar um comentário