Os sonhos são sementes que deixamos o vento lançar na terra e aramos na espera dos frutos. Sonhar junto é matéria complexa que contém camadas de quereres, olhares e gestos os quais se cruzam e passam a caminhar em um mesmo sentido, apesar das divergências. Reunir gente em torno de uma crença comum tem sido tarefa cada vez mais desafiadora na medida em que o individualismo neoliberal recai sobre nossos corpos e corpas. Perfurar esse contexto para ser ajuntamento requer bastante energia e uma profunda fé na força coletiva (aquela que nem sabemos que temos quando estamos sozinhos).
A Arado Cultural é um catalisador de encontros e a espinha dorsal que a sustenta revela que tudo é leve quando há desejo mútuo. Ainda que o humor deseje escapar em alguns momentos, a mobilização de danças e afetos o resgatam para dar o tom da celebração que é estarmos vivos e em ação. O respeito às diferenças, a sinceridade das relações e a aceitação dos dissensos abrem alas para a produção de um espaço democrático, que ensina que compromisso e diversão podem andar de mãos dadas quando se há confiança e seriedade no labor da Dança. É nesse espírito que o Festival Dança a Três resiste insistindo no cultivo do movimento sensível pra perfurar toda violência de um forte agronegócio que seifa cotidianamente a natureza que somos.
Em 2022 fui ao Festival para ministrar a oficina "Eu pulo bloco, e você?" Sim... porque me parece que não há nada mais agregador do que a própria insurgência que é o carnaval de rua. Não era a primeira vez que eu estava no Mato Grosso do Sul. Aliás, da última vez que lá estive, havia sido para dançar o espetáculo Cartas Abertas ao Desejo, com Paula Bueno, minutos após o resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Entramos em cena ao som de fogos de artifício lançados por apoiadores de extrema direita em comemoração à sua vitória no governo. Ali se explicitava com bastante fervor que o agro não é nada pop como nos querem fazer acreditar.
Em meu retorno ao Mato Grosso do Sul, em 2022, estávamos novamente em disputa política, com um País totalmente dividido, agindo a semelhança das torcidas organizadas de futebol. O sistema embrutece. Em todos os lugares tocava música sertaneja e na estrada entre Campo Grande e Três Lagoas me perdi na contagem de caminhões que carregavam animais e árvores mortas.
Apenas este recorte de um contexto mais amplo já me fazia lembrar de como é preciso muita coragem para dialogar pelo bem comum. E, sobretudo, para produzir encantamento e fazer rir, como estratégias de subversão. Buscamos essa potência na carnavalização de corpos e corpas, a partir de uma residência artística. Jovens que, em sua maioria, nunca tinham passado pela vivência dos blocos de rua no carnaval, se entregaram para uma experiência crítica a partir da produção de alegria coletiva. Botamos o bloco na rua e convidamos a Lagoa Maior para dançar conosco! Foi bonito ver tanta gente em festa!
"No contra ataque da guerra, arte!", já diz Flaira Ferro.
Nos dias de Festival acompanhei estéticas, pensares e fazeres de Dança tão distintos quantos complementares. E, ver tantas corporalidades suando pra fazer brotar vida, dá um afago no coração. Há uma sensação de que é possível. Então, que seja! Sigamos lançando as sementes porque o vento é invisível mas não pára.
Foto: Reginaldo Borges
Ana Carolina Mundim - professora artista convidada